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família
Texto por Letícia Ortolani

DEPOIMENTOS

"Nós tudo lá (família pernambucana) usa esse chapéu, é símbolo de nós, faz parte da gente"

 

—  Francisca Maria da Conceição, a Zazá

Francisca Maria da Conceição

Nascida em Recife, Pernambuco, Francisca Maria da Conceição, conhecida por todos como Zazá, mudou-se para São Paulo 18 anos atrás, hoje vive no interior, em Piracicaba. Aos 63 anos, a mulher, que usa batom vermelho nos lábios, se sente acolhida pelos amigos que encontrou na cooperativa Reciclador Solidário, onde trabalha há cerca de dez anos.

Mais que a bagagem, Zazá estava grávida e trouxe consigo um dos irmãos e o marido. Ela conta que, anos depois, o filho mais velho faleceu, em consequência de envolvimento com drogas e vício em bebidas alcoólicas. O caçula mora em Rio Claro, mas vem visitar a mãe a cada quinze dias, “somos o sol e a lua, quando ele chega eu saio, quando eu saio ele chega, mas nós vive bem, graças a Deus”, comenta enquanto sorri.

Antes de se mudar para Piracicaba, ela havia se casado, quinze anos após o casamento, perdeu o marido para uma doença do coração. Pouco tempo depois, cerca de três anos, convencida pelo pai, Zazá se casou novamente. Francisca relata que, depois de 13 anos, o marido fugiu com a vizinha, deixando-a sozinha com o filho.

Antigamente eram cinco integrantes na família, hoje ela vive sozinha. Em Pernambuco estão apenas dois irmãos, Albertina e João, os outros familiares já faleceram. Estabelecida em Piracicaba, Zazá divide as contas com o filho, que atualmente tem 28 anos. Na cabeça o chapéu, que era do pai, característico da terra natal, acessório que sempre a acompanha.

“Nós tudo lá usa esse chapéu, é símbolo de nós, faz parte da gente. Eu sempre falo: menino, quando eu me for, em cima da minha cova coloca um chapéu nosso, uma enxada, uma rédea de cavalo, que e o símbolo da gente”, completa.

Ednalva Inês Corrêa Souza

Foto: Thaís Passos

Além de acumular materiais recicláveis, as cooperativas “Reciclador Solidário”, de Piracicaba e “Cooperlírios”, de Americana, acumulam histórias, algumas felizes, outras tristes. Pessoas que saíram de outros estados, para viverem no interior de São Paulo. Trouxeram seus familiares, ou formaram suas famílias nas cooperativas. Entretanto todos afirmam que o ambiente de trabalho os envolve como membros de uma grande e única família.

Eleita como presidente da cooperativa Reciclador Solidário, Ednalva Ines Correa Souza, conhecida por todos como Nalva, representa o papel materno, segundo os relatos dos cooperados. E ela se sente feliz por isso. “Ah, é uma responsabilidade, me sinto elogiada, isso significa que eu faço um bom trabalho pra eles. Eu sou companheira deles, por isso acho que eles me respeitam” Nalva expressa.

Hoje com 47 anos, teve uma infância complicada, trabalhando como catadora desde os oito anos, para ajudar a mãe, com um pai que não colaborava em casa. Nalva estudou até a sexta série e, por meio da cooperativa, participou de diversos cursos, como de empilhadeira e computação. Anos mais tarde conheceu o marido na cooperativa, tem cinco filhos, quatro biológicos e um sobrinho que pegou pra criar, quando este tinha apenas dois anos. Ela tem ainda oito netos e aguarda a chegada de mais um. Toda a família trabalha como reciclador, inclusive as noras e os genros.

Anália Pereira da Silva

Foto: Thaís Passos

Anália Pereira da Silva tem 64 anos e trabalha com materiais recicláveis desde os 37. Ela começou no lixão. Em Minas Gerais, terra de onde veio, vivia com os pais, um irmão e uma irmã. Ela largou o serviço e se mudou de estado após perder os pais, o outro irmão a acompanhou até Piracicaba, mas tempos depois retornou a Minas. Separada do marido e na época com dois filhos, Anália encontrou um recomeço na cooperativa Reciclador Solidário, mas é nas quartas e nos domingos, quando vai a igreja, orando, cantando hinos cristãos e lendo a bíblia que ela se sente em paz ao lado de Deus e dos amigos.

Em casa a situação é bem complicada. O filho mais velho de Anália hoje tem 37 anos e é usuário de drogas, o que dificulta o relacionamento entre mãe e filho. Ela conta que ele não trabalha, por isso ela cuida de todo o sustento familiar. Entre as dificuldades diárias, Anália enfatiza o vício do filho, as brigas que acontecem muitas vezes, entretanto ela não nega a preocupação que tem com ele.  Ela também relembra que o ex-marido não era presente e não a ajudava, quando se mudou para Piracicaba, poucas vezes ele visitava os filhos. O sonho dela é ter uma vida mais tranquila, longe de tanto transtorno e problema.

Lucélia Rodrigues Lemes

Lucélia Rodrigues Lemes, 38 anos, veio, ainda pequena, do Paraná para Piracicaba. Há cinco anos e um mês ela trabalha na cooperativa Reciclador Solidário, já trabalhou como empregada doméstica e em diversos outros lugares. Tudo com a única intenção de garantir o sustento dos dois filhos adolescentes que ainda moram com ela, a filha mais velha tem 24 anos e jpa tem a própria família. Com um sorriso no rosto, ela relembra dos netos que tem, inclusive Sophia, que ainda é um bebê.

Ela conta que em 2007 foi presa por tráfico e por não conseguir arrumar um trabalho. Após um ano e nove meses presa, está atualmente em liberdade há 11 anos, ela espera ansiosa pelo namorado que ainda está preso, com o sonho de se casar com ele. Lucélia se emociona ao recordar de como foi bem recebida por Nalva, que sempre a tratou muito bem, nunca com preconceito por ela ser uma ex-presidiária.  “A Nalva me olhou e disse: você é capaz. Aqui na cooperativa nunca precisei esconder quem eu sou”, acrescenta. Com o salário que recebe, ela cuida dos filhos, o mais velho, que tem 16 anos, é o responsável por administrar o dinheiro da mãe, desde receber a pagar todas as despesas da casa.

Aparecida Teixeira da Silva

Aparecida Teixeira da Silva,  acabou de completar 50 anos. Ela trabalha na Cooperlírios há 20 anos. Saiu de Garanhuns, no Pernambuco, e se mudou para Americana. Na época era jovem e se dedicou exclusivamente a criação dos quatro filhos, apenas quando as crianças cresceram, decidiu começar a trabalhar como doméstica. Anos mais tarde se tornou recicladora.

Hoje a nora e quatro netos moram numa casa em cima da dela. Ela conta com alegria sobre como é bom viver perto dos netos. O esposo, que trabalha a noite, quase nunca se encontra com ela, “quando um sai, o outro chega, sempre um desencontro, mas nós se entende bem também”, completa. A saudade da terra natal ainda permanece, com o dinheiro da cooperativa, Aparecida conseguiu realizar o sonho de viajar para Pernambuco e rever os pais.

Para Aparecida, a cooperativa é um ambiente familiar, já que todos passam a maior parte do tempo trabalhando juntos. Ela fala com carinho sobre as amizades que conquistou. Quando acontece uma briga, tratam logo de se reconciliar.

Silvia Regina Barbosa Canuto

Nascida em Monte Alegre, Silvia Regina Barbosa Canuto diz estar na casa dos 60 anos e trabalha há 13 na Cooperativa Reciclador Solidário, em Piracicaba. Antes de se tornar recicladora, trabalhou em empresas de limpeza. Ela conta que o ex-marido não ajudava e ela estava desempregada há muito tempo antes de conseguir se estabelecer na cooperativa.

Silvia considera o ambiente de trabalho um lar, ela divide a casa, deixada pelos pais já falecidos, com uma dos cinco irmãos. O dia-a-dia nem sempre é muito tranquilo, Silvia conta que a irmã tentou suicídio ateando fogo no corpo, após descobrir a traição do namorado. Ele tem outra família em Minas Gerais. Além disso, ela afirma que por diversas vezes já foi trancada para fora de casa pela irmã.

O motivo de maior felicidade da recicladora é o filho de 42 anos, os 8 netos e os dois bisnetos, além do namorado, com quem pretende morar. Nove anos atrás, Silvia foi traída pelo ex-marido com uma sobrinha e ele ainda tentou matá-la. Ela já o denunciou duas vezes.

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