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renda
Texto por Fernanda Juliano
Reciclador Solidário - Foto: Thaís Passos

Quando o assunto é reciclagem, quanto você imagina que estas pessoas recebem? Quanto custa cada tipo de material que é jogado fora e depois ajuda várias pessoas a tirar o sustento de casa? Fomos atrás das respostas para as perguntas que envolvem o universo da reciclagem, mas não só isso, também todas as questões de trabalho, salários, compras e despesas de quem trabalha com material reciclável em uma cooperativa.

As Cooperativas são formadas quando um grupo determinado de pessoas tem interesse em formalizar alguma coisa, que pode ser uma empresa limitada, uma empresa S\A ou um Cooperativa, quando é objeto ou objetivo pessoal. “Cooperativa que visa lucro não é cooperativa, cooperativa visa suprir uma necessidade de pessoas”, relata Eurípides Alonso, atuante em cooperativas há mais de 20 anos.

Diferentemente do que se imagina, as cooperativas têm conselhos, administrativos, diretores, que cuida da organização. Mas há diferenças em relação a trabalhos comuns, onde há patrões e funcionários. O cooperado não tem o amparo jurídico de CLT, porque eles não são funcionários, eles são sócios. É como um autônomo. E as cooperativas são isentas de tributos. Mas há uma lei que as rege, a Lei nº 5.764 de 1971, que “Define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, e dá outras providências".

(http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L5764.HTM).

As cooperativas de reciclagem hoje em dia, fazem mais do que separar material reciclável para venda, mas atuam também em outros aspectos, como na economia, na sociedade, auxiliam no aumento da renda dos trabalhadores dessa classe, e também, tratam das questões ambientais. “Hoje por exemplo, saem em torno de 36/37 toneladas de recicláveis, são 37 toneladas a menos no aterro ou jogadas no meio ambiente”, relata Daniel Cavalcante, engenheiro ambiental e coordenador da Cooperlírios em Americana - São Paulo.

A presidente da cooperativa americanense, Rita de Cássia de Souza, 45, entende com clareza o valor que as cooperativas de reciclagem tem. Se tudo o que chega até eles, fosse para o aterro sanitário da cidade, não comportaria, por isso, o trabalho que os recicladores realizam, é louvável pela presidente.  

Hoje em dia a população entende a importância da reciclagem e do trabalho dos recicladores. “Eles (população) viam como um lixão a cooperativa, eles não viam que é uma fonte de renda. Hoje em dia eles veem com mais clareza,  sempre tem gente trazendo material pra gente. A população pega lá o seu carro e vem trazer na porta. Tanto a população como algumas empresas. Eles acham até interessante. Quando eu to aqui, quando eu venho receber eles, eu pergunto ‘quer conhecer melhor?’ E aí eu já levo pra lá, mostro como que faz, que é interessante isso”, conta Rita.

Ednalva Ines Correa Souza, 47, presidente da cooperativa Reciclador Solidário, trabalhou no lixão de Piracicaba - São Paulo, e em 2003 foi trabalhar com a triagem dos materiais recicláveis. E ela também enxerga a cooperativa como um bom lugar para trabalhar e sustentar a família, “no lixão ganhava dinheiro, mas não era um trabalho limpo como aqui. Ainda vem rejeito, mas não tão sujo igual era lá no lixão”, ressalta.

 

E assim como outros cargos que recebem reajustes, dentro das cooperativas também há mudanças. Desde fevereiro de 2018, os trabalhadores da Cooperlírios recebem por volta de R$ 1.100,00 / R$ 1.200,00, isso para quem vai todos os dias e trabalha durante todo o tempo estipulado. Mas existe uma variação. Quem falta ao serviço, pode chegar a receber R$ 700,00 / R$ 800,00.

De 2015 a 2018 o aumento na renda foi de R$ 650 para R$1200, quase 85%. Este ano, pela primeira vez, espera-se conseguir pagar um fundo de reserva aos cooperados no final do ano, de acordo com Daniel. A renda e a produção aumentaram significativamente, então talvez consiga-se esse benefício. Nos anos anteriores não era possível devido ao valor mais baixo que pagava-se aos recicladores.  

Todo mês é descontado um valor para pagar o INSS. Algumas cooperadas já usufruíram, com a licença maternidade,  por exemplo. Eles começaram a pagar em 2010, então de lá pra cá, já recebem o benefício.

Quanto mais material é vendido pela cooperativa, maior o salário dos recicladores. Dependem do material para receber.  “Se continuar a entrar material desta forma, (entra-se em média de 60 a 64 toneladas de materiais por mês) dificilmente o salário delas vai baixar”, relata Daniel.

 

Em maio de 2018, a equipe do Reciclador Solidário conseguiu atingir a meta, que precisa ser atingida por conta do contrato com a ABIHPEC e da logística reversa, que investe nas cooperativas. Conseguiram tirar por volta de R$ 1.000,00, R$ 1.200,00. Meses antes, o salário estava mais baixo, por conta da baixa produção e também da reforma que o espaço teve, poucos materiais chegaram para triagem nesse período, diminuindo assim o salário dos cooperados. Mas em maio, eles conseguiram retomar o ritmo.

Anteriormente, conseguiam tirar por volta de R$ 1.300,00, R$ 1.400,00 mensais. No mês de maio, a média foi de R$ 1.300,00 e R$ 1.000,00 para quem faltou, ou tirou o adiantamento do salário.

 

A cooperativa por não ser celetista, não tem o 13º salário, por exemplo, mas todos os meses são tirados 10% do montante vendido, valor que é colocado em uma conta poupança, e no final do ano há uma distribuição aos cooperados. Essa questão está em uma ata no Estatuto, e todos aceitaram (Art. 45, a- 10% (dez por cento) ao Fundo de Reserva) (http://www.normaslegais.com.br/guia/clientes/modelo-estatuto-cooperativo.htm). “No final do ano sempre tem a queda do preço, do valor do material, cai muito. Então daí, tem aquele dinheiro reservado pra passar o final de ano legal”, relata Nalva. Desde o começo da cooperativa, em 2001, o INSS é pago aos recicladores.

As despesas dos cooperados

Já em relação com as despesas, Rita que mora com o marido, em um mês paga o supermercado e em outro as contas fixas de casa, tais como água, luz, botijão de gás e etc. Há esse revezamento entre Rita e o marido. Quando entrou na cooperativa, há 12 anos, ela e o companheiro ainda estavam construindo a casa em que moram, e conseguiram terminaram nessa base de união entre os dois, cada um pagando alguma coisa.

 

A presidente da Cooperlírios não é de comprar roupas, pois já ganha bastante. Por se tratar de um bairro mais periférico, muitas doações são destinadas especialmente para os moradores de lá. “A gente compra assim, uma roupa pra sair. A gente não é gastão”, relata. “Eu gosto de comprar perfume, creme pro rosto, creme de pele, eu sou apaixonada pra comprar isso ai. Mas pergunta pra mim se eu uso essas coisas? O perfume até que eu uso, mas creme… Compro e fica lá, ai eu vou dando embora.”

Já Nalva, conseguiu construir sua casa enquanto trabalhou no lixão de Piracicaba, mas foi no Reciclador Solidário que conquistou o sonho da habilitação e de ter um carro.

 

Francisca Maria da Conceição, 63, a Zazá, é divorciada há quase 30 anos, teve dois filhos, porém o mais velho faleceu. O filho caçula trabalha em Rio Claro - São Paulo, e a cada 15 dias volta para casa em Piracicaba. “Nós somos o sol e a lua. Quando ele chega eu saio, quando eu saio ele chega, mas nóis vive bem graças a Deus.” Na casa dos Conceição, há divisão das contas. Zazá paga uma coisa e o filho paga outra. No passado, a cooperada relata que gostava de “andar que nem boneca”, chegava nas lojas e nem olhava os preços, fazia grande compras. Hoje tudo está mais caro, as roupas e sapatos precisam durar bem mais, portanto, Zazá não compra muito atualmente.

Reciclador Solidário - Foto: Thaís Passos

Trabalhando no Reciclador Solidário, Zazá conquistou seu terreno e construiu sua casa. Conseguiu também comprar um carro, que fica com o filho. E quando sair da reciclagem, pretende trabalhar com feira de rua, “porque lá no Norte ‘nóis’ trabalhava vendendo as coisas no chão, banana, jerimum, um monte de coisa”, relata a cooperada. E o maior sonho dela é ter uma barraca na feira.

 

Lucelia Rodrigues Lemes, 38, antes de trabalhar na cooperativa Reciclador Solidário, foi de tudo um pouco, assim como ela mesma relata. Trabalhou como empregada doméstica, colhedora de laranja e também boia-fria. Também passou por um episódio de tráfico de drogas, o que a levou presa por um ano e nove meses. Mãe de três filhos, atualmente mora com dois pré adolescentes. O filho mais velho paga as contas da casa e faz as compras necessárias. “Eu trabalho e ele faz tudo”, isso desde os 12 anos do garoto, que atualmente está com 16. “Ele mesmo vai receber, ele pega o cartão, tira o dinheiro, paga as contas e faz as compras”, relata. “É mais fácil você dar uma responsabilidade dentro de casa e falar o que ele tem que fazer, do que deixar solto, então eu prefiro ensinar desde pequenininho”.

O maior sonho da cooperada é que os trabalhadores sejam reconhecidos, não como funcionários, já que o Reciclador Solidário se trata de uma cooperativa, mas almeja reconhecimento e pagamento pelo trabalho desenvolvido. “Várias cooperativas que a gente conhece, que eu conheço, eles recebem pelo trabalho, eles são valorizados. Infelizmente a gente aqui ‘tamo’ dando uns passinhos devagar, porque a gente já conseguiu bastante coisa de 2013 pra cá, mas ainda falta a contratação”, relata Lucélia. E além disso, ela também sonha em ver os filhos na faculdade, já que só pôde estudar até o segundo ano do ensino fundamental.

 

Trabalhar com reciclagem, é entender a importância que a separação dos materiais têm para o meio ambiente, mas além disso, é entender também que é possível ter uma renda, sustentar a família e realizar sonhos. “Pra mim, minha profissão é quase como a de um médico, de qualquer outra pessoa”, Lucelia Rodrigues Lemes, ex-presidiária, atualmente cooperada do Reciclador Solidário.

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